BQT 198a-212c: A palavra passa à Filosofia. Sócrates e Diotima

Depois que falou Agatão, continuou Aristodemo, todos os presentes aplaudiram, por ter o jovem falado à altura do seu talento e da dignidade do deus. Sócrates então olhou para Erixímaco e lhe disse: — Porventura, ó filho de Acúmeno, parece-te que não tem nada de temível o temor que de há muito sinto, e que não foi profético o que há pouco eu dizia, que Agatão falaria maravilhosamente, enquanto que eu me havia de embaraçar?

— Em parte — respondeu-lhe Erixímaco — parece-me profético o que disseste, que Agatão falaria bem; mas quanto a te embaraçares, não creio.

— E como, ditoso amigo — disse Sócrates — não vou embaraçar-me, eu e qualquer outro, quando devo falar depois de proferido um tão belo e colorido discurso? Não é que as suas demais partes não sejam igualmente admiráveis; mas o que está no fim, pela beleza dos termos e das frases, quem não se teria perturbado ao ouvi-lo? Eu por mim, considerando que eu mesmo não seria capaz de nem de perto proferir algo tão belo, de vergonha quase me retirava e partia, se tivesse algum meio. Com efeito, vinha-me à mente o discurso de Górgias, a porto de realmente eu sentir o que disse Homero: temia que, concluindo, Agatão em seu discurso enviasse ao meu a cabeça de Górgias, terrível orador, e de mim mesmo me fizesse uma pedra, sem voz. Refleti então que estava evidentemente sendo ridículo, quando convosco concordava em fazer na minha vez, depois de vós, o elogio ao Amor, dizendo ser terrível nas questões de amor, quando na verdade nada sabia do que se tratava, de como se devia fazer qualquer elogio. Pois eu achava, por ingenuidade, que se devia dizer a verdade sobre tudo que está sendo elogiado, e que isso era fundamental, da própria verdade se escolhendo as mais belas manifestações para dispô-las o mais decentemente possível; e muito me orgulhava então, como se eu fosse falar bem, como se soubesse a verdade em qualquer elogio. No entanto, está aí, não era esse o belo elogio ao que quer que seja, mas o acrescentam o máximo é coisa, e o mais belamente possível, quer ela seja assim quer não; quanto a ser falso, não tinha nenhuma importância. Foi com efeito combinado como cada um de nós entenderia elogiar o Amor, não como cada um o elogiaria. Eis por que, pondo em ação todo argumento, vós o aplicais ao Amor, e dizeis que ele é tal e causa de tantos bens, a fim de aparecer ele como o mais belo e o melhor possível, evidentemente aos que o não conhecem — pois não é aos que o conhecem — e eis que fica belo, sim, e nobre o elogio. Mas é que eu não sabia então o modo de elogiar, e sem saber concordei, também eu, em elogiá-lo na minha vez: “a língua jurou, mas o meu peito não”; que ela se vá então. Não vou mais elogiar desse modo, que não o poderia, é certo, mas a verdade sim, se vos apraz, quero dizer à minha maneira, e não em competição com os vossos discursos, para não me prestar ao riso. Vê então, Fedro, se por acaso há ainda precisão de um tal discurso, de ouvir sobre o Amor dizer a verdade, mas com nomes e com a disposição de frases que por acaso me tiver ocorrido.

Fedro então, disse Aristodemo, e os demais presentes pediram-lhe que, como ele próprio entendesse que devia falar, assim o fizesse.

— Permite-me ainda, Fedro — retornou Sócrates — fazer umas perguntinhas a Agatão, a fim de que tendo obtido o seu acordo, eu já possa assim falar.

— Mas sim, permito — disse Fedro. — Pergunta!